PARA PENSAR
“A menos que abramos as portas de nossas casas uns aos outros, a realidade da Igreja que Jesus edificou como sendo uma família de irmãos e irmãs amorosos é apenas uma teoria”

"Desinstitucionalizados sim, desigrejados jamais, desviados nunca. Somos a igreja de Cristo “juntamente com todos os que, em toda parte, invocam o nome de nosso Senhor Jesus Cristo, Senhor deles e nosso.” (1Co 1.2)" Por seu Reino!

Se alguém comemorou o Dia da Reforma Protestante exaltando a Lutero e sua obra e luta, mas condena os "desigrejados" de nossos dias, esse alguém não entendeu nada!

quinta-feira, 29 de março de 2012

Da frustração à comunhão e ao abandono de nossos falsos cristos

Por: Maurício Bronzatto 


A frustração e a decepção são necessárias para a mudança de estágio em nossa jornada espiritual. Não há como trocar de degrau sem contar com o benefício que elas trazem, embora quase sempre só o reconheçamos depois que sua influência sobre nós perde força, e desde que não nos curvemos a uma resignação paralisante. Fazer as pazes com nossos limites é saúde para nós, mas isso não pode se dar à custa da combustão da inconformidade, que põe em movimento o processo de nos descolar da fase em que estamos para abrir nossos olhos à seguinte. O estado de satisfação não exige nada. A insatisfação, ao contrário, quer se transformar em alguma coisa e acaba fazendo a vez do motor que procurará ressignificar nossas frustrações e decepções, encontrando caminhos para os nossos limites, realidade que num primeiro momento não pudemos contornar. O reconhecimento de que algo nos falta e a decorrente busca a que tal constatação nos desafia são uma bênção em nossa vida.
Quando a frustração vem de Deus, como um processo iniciado por Ele (2 Co 7.9-11), Jesus percorre esse caminho conosco, embora, em boa parte dele, mantenha-se oculto aos nossos olhos. Isso faz parte de sua pedagogia de se mostrar a nós não do modo antigo, mas de uma nova maneira, e no momento certo. Podemos referendar tal proposição com o conhecido encontro que o Cristo ressuscitado teve com os discípulos a caminho de Emaús (Lc 24.13-35). A decepção estava escancarada no semblante daqueles dois caminhantes. Em sua conversa, repisavam os últimos acontecimentos envolvendo a crucificação e morte do Mestre num tom de lamento e desânimo profundos. De uma hora para a outra, todo o projeto em que vinham depositando incontidas esperanças ruíra, virara cinzas. Os rumores que surgiram de que algumas mulheres andavam espalhando relatos sobre uma pretensa visão de anjos e túmulo vazio não eram capazes de atravessar a espessa treva de frustrações que os envolvia. Nem mesmo um passante peculiar que a certa altura da estrada os alcançou e parecia ignorar por completo as últimas novidades despertou-os inicialmente do embotamento dos sentidos. Quando Cristo está “morto”, quem morre, na verdade, são aqueles que assim o consideram.
Cristo andou com eles em sua sincera frustração e passou a lhes explicar a unidade das Escrituras em torno do Filho, oferecendo um novo sentido para sua compreensão do plano de Deus.
O percurso até Emaús, com Cristo ao lado, é preparação. É a fase de o coração ferido, desapontado, batendo debaixo dos escombros deixar a letargia, começar a arder novamente de esperança para que a Palavra conduza à comunhão. Sem que Jesus tivesse primeiramente aberto para eles as Escrituras, isso não seria possível. Antes do partir do pão, da experiência de doação da vida, há um caminho que Ele percorre conosco, em nossa necessária frustração, para que possa soprar de novo em nós o espírito da procura, da busca. O destino é o compartilhamento, a intimidade, a que temos acesso pela Palavra que vem do céu. E a Palavra é Cristo. Só Cristo pode produzir Cristo em nós. Sem ele, resta-nos um simulacro de comunhão sem substância.
É na comunhão verdadeira, à qual o caminho da Palavra viva conduziu, que os olhos se abrem, porque é só nela, e em nenhum outro lugar, que a Trindade se mostra de um modo como não se pode deixar de reconhecê-la. O que passar disso, no sentido de explicá-la, é malabarismo teológico.
Essa prática é o anseio, é o anelo de toda a humanidade: entre outros, até mesmo de comunistas e anarquistas, que sonharam com uma sociedade melhor; até mesmo de educadores que acreditam poder mudar o mundo pelo ensino; até mesmo, pasme!, de muitos ateus sinceros que, pela negativa, pela incredulidade, afirmam, de modo contundente, uma fé profunda em tudo aquilo que não se pareça com boa parte do que praticamos na quase totalidade dos 2.000 anos de cristianismo na história.
A experiência da comunhão genuína vai despertar gigantes, tocar uma melodia que atrairá gente com saudade do que não conhecia. Olhos serão abertos, e haverá o encontro de espíritos: o de Cristo, manifesto na prática do seu corpo atuante na terra, com o de muitos que serão acordados para reconhecerem o Senhor. Vai haver uma “overdose” de sentido para a vida. Os “mortos” reviverão.
Tão logo os discípulos de Emaús têm os olhos abertos para enxergar o Cristo se dando na comunhão e sua vida se enche de significado, o Ressuscitado desaparece da presença deles. Desaparece fisicamente para viver no seu interior como realidade muito mais tangível, presente e incontestável. Se insistirmos em segurá-lo conosco, ao nosso lado – e não em nós –, ficaremos agarrados a sua caricatura. Se continuarmos apegados às ideias que temos dele (do Cristo que carregamos fora de nós com o andor de nossas concepções a seu respeito), impediremos que o Consolador venha e nos ensine todas as coisas e nos faça lembrar de tudo o que Jesus disse. Infelizmente, a distância da prática tornada patente em nossa mensagem revela o quanto Jesus, a fé e o evangelho ainda são para nós uma ideia sobre a qual teorizamos bastante. Quanto mais apegados à teoria, a um código de conduta, portanto dirigidos de fora, menos vivos estamos. Esta é uma das propriedades de nossa religiosidade: roubar vida de nós e colocar substitutos em seu lugar. No caso de Emaús, os discípulos, a princípio, debatiam-se com uma ideia e uma expectativa antiga sobre o Messias, concepções que Jesus ressuscitado agora vinha desfazer.
Se não deixarmos Jesus “desaparecer”, levando com ele todos os falsos cristos a que costumamos recorrer, ele não pode cumprir ou atualizar na nossa vida o que disse antes de sua paixão: “Vou e volto para junto de vós”, agora como realidade que pacifica o coração. Se ele não for, o Consolador não virá. Mas se for, vai nos enviar o Consolador, e então seremos verdadeiramente convencidos do pecado, da justiça e do juízo. É o Consolador quem nos guiará a toda a verdade porque há de nos anunciar tudo o que recebeu de Jesus.
Temos, portanto, uma escolha a fazer: ficar com o Jesus teológico, numa relação em cujo desfecho se ouvirão as seguintes palavras: “Não vos conheço; apartai-vos de mim…” (Cf. Mt 25), ou não impedir que venha sobre nós o ministério e a dispensação do Espírito Santo, a unção que de Cristo recebemos e permanece em nós e nos ensina todas as coisas, para que o Filho de Deus esteja efetivamente dentro de nós, e nós nele.
Emaús convida a uma mudança da crença e expectativa num Messias-guru para a relação de amizade com o Jesus dos evangelhos; de um Cristo para nós e nossas necessidades a um Cristo em nós; de expectativas, ênfases e pontos de vista exclusivistas e que dividem para a verdadeira unidade (a comunhão que ele propõe, baseada na vida – não em sua interpretação –, não pode mais dividir).
Emaús é a possibilidade de deixarmos de idolatrar Jesus ou uma boa ideia a seu respeito e passarmos a servi-lo, vivendo sua vida, seu evangelho e enchendo a Terra de sentido. Mas nada acontecerá sem que antes Deus nos frustre e decepcione suficientemente.
Fonte:http://www.gruponews.com.br

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